A Dança e o Teatro

Dancar e um questão de sopro.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Dança e reflexões.

Modos de organização política em diferentes esferas: a dança dilatando territórios

Em 2005, a dança no Brasil teve a oportunidade de exercitar a escolha de representantes para as Câmaras Setoriais implementadas pelo governo federal. E quem teve oportunidade, no sentido de ter recebido a informação sobre, e ter tido tempo para se reunir e propor mecanismos de eleição em sua região ou estado, pôde exercer uma prática que nos faz refletir sobre o direito e responsabilidade nas escolhas, e sobre como continuamos ou não participando do desenvolvimento de ações propostas. Tudo isso se tratando apenas da escolha de um representante, sem entrar aqui no mérito de como esta opção de escolher foi validada.

Outros exemplos, de natureza mais coletiva, foram as decisões que se fizeram necessárias para responder e atuar frente ao CONFEF7 (Conselho Federal de Educação Física), e anteriormente à criação do CONFEF, em 2001, quando profissionais desta área tentaram adestrar a dança confinando-a em sua minuta de Lei. De qualquer modo, as situações mencionadas acima propiciaram por necessidade a organização de grupos e profissionais da dança para responder a estas demandas. Criados a partir dessas situações, o Fórum Nacional de Dança e o Mobilização Dança (SP), entre outros movimentos e fóruns pelo Brasil, passaram a atuar em esferas políticas distintas, debruçados sobre questões e necessidades específicas da área da dança. Outros grupos e programas existentes em dança anteriores a esses processos, e que fomentam a formação, pesquisa e reflexão na área, apontam também para outros modos de organização e atuação.

Nas esferas públicas de estado, um aspecto a ser refletido diz respeito a como as políticas-institucionais estruturam seu organograma, incluindo ou não chefias ou coordenadorias específicas em suas instâncias e instituições de Cultura. Além disso, é preciso pensar em como se subdividem estas coordenações entre as áreas, e, conseqüentemente, os recursos de dotação orçamentária. Segundo Navarro (2005), subentende-se que quando uma instância pública de estado planeja e contempla a existência de uma determinada área, é porque prevê e reconhece a demanda se reorganizando a partir dela. Quando uma área é inserida de forma segmentada e não mais universalizada em outras áreas, abre-se espaço para que seja tratada e entendida a partir de um modus operandi próprio. Isso aponta para o reconhecimento de que a área exige especificidades no mundo das artes, abrindo possibilidades para a ampliação do raio de atuação política, na instância que a contempla com esse modo de operação. É preciso ressalvar a importância de se reconhecer nas propostas artísticas e institucionais o modo como se estrutura politicamente a dança.

A hipótese aqui levantada é a de que, quando uma cidade, estado ou país passa a assumir esta parcela de responsabilidade formal com a área da dança, e quando estas iniciativas prosseguem com manutenção de dotação orçamentária – para além das mudanças de gestão, formalizando-se a função no organograma, e estendendo o olhar para a rede de existência da dança naquela instância –, ocorre uma atuação positiva pela demanda da área. Isso pode representar uma diferença em relação a uma ação realizada em um único equipamento de Estado, porém, sem articulação com a noção do que acontece na área da dança, tanto num sentido macro político, como exposto inicialmente, quanto no entorno relacional no qual se propõe a ação. Parte dessa hipótese se baseia em minha experiência como coordenadora de dança na Fundação Cultural de Curitiba, no período entre 2005 e 2008, e pela existência da Coordenação de Dança implantada pela Funarte, por serem essas inicativas recentes, ainda escassas nas diferentes instâncias, no Brasil, e que representam uma possibilidade de atuação da dança nas esferas de governo, independentemente de bandeiras partidárias.

Cabe salientar, neste sentido, que a reorganização da dança em qualquer esfera, a partir do entendimento de uma configuração de área (como área de produção e conhecimento, de produção de conhecimento, de atuação política), passa pela reestruturação desse mesmo entendimento junto aos gestores, artistas, grupos e junto com outras áreas das artes. Passar a existir no dia-a-dia de uma instância pública privada ou pública de estado provoca movimentos de reterritorialização, já que na seara das dotações orçamentárias, e de participação em diálogos e decisões, a dança se viu, em muitos momentos, desterritorializada. A partir da instância que se propõe a ser ambiente de existência para a área da dança, exercitam-se várias outras relações político-institucionais e administrativas que estão no entorno relacional dessa proposta.

E isso pode se dar a exemplo das outras áreas que passam a conviver no compartilhamento de recursos que não apenas orçamentários, mas de equipamentos e pautas, no embate das idéias, em mesas de discussão, na elaboração de propostas, nas explicitações sobre as especificidades da área, na necessidade da participação de especialistas para as bancas de concurso, comissões técnicas, no planejamento, entre outros fatores. Reterritorializa-se, portanto, a compreensão da dança em outros distintos territórios, incluindo os órgãos de representação de classe.

A tarefa de reivindicar esse espaço de atuação política que passa a se mostrar cada vez mais presente no Brasil, pela existência de diferentes iniciativas, desperta a potencialidade da área perante as diferentes esferas de governo, e frente às outras áreas, que incluem o Teatro e a própria Educação Física. Há a necessidade ainda de repensar modelos pouco discutidos publicamente e abri-los ao debate, bem como atentar para as reservas de mercado que tomam de assalto a àrea da dança.

A relação entre política e dança diz respeito ao entendimento dos conceitos que são aplicados à dança quando esta se estrutura como política pública de estado ou pública privada. Toda palavra ou ação é definida conforme as estruturas de pensamento que as regem, segundo Lakoff (2006:17): “Idéias não são coisas abstratas. São componentes da ação. Definem ideais. E criam normas de comportamento”. Isso tudo ganha relevância própria quando o que está envolvido nesse processo é o modo de produzir de cada um, especialmente quando envolve o direcionamento de verbas públicas de estado para a produção dos discursos que se estabelecem em dança. Cabendo ressaltar que é a capacidade de expansão de toda uma área de atuação que se reduz quando se isolam as iniciativas e proposições.

1. Marila Velloso é coreógrafa, bailarina e produtora. É professora do Departamento de Dança da Faculdade de Artes do Paraná, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em Artes Cênicas (PPGAC/UFBA).

2. Tradução da autora, do título da reportagem de Diane Solway: “Is it dance? Maybe. Political? Sure.” A reportagem mencionada se refere à criação coreográfica de William Forsythe, “Three Atmospheric Studies”. The New York Times. Publicado em 17 de fevereiro de 2007.
Disponível em: http://www.nytimes.com/2007/02/18/arts/dance/18solw.html?ex=1329454800&en=3fcc24a3149a2b44&ei=5088&partner=rssnyt&emc=rss. Acesso em 10/03/2008.

3. O prefixo “co” se baseia na idéia de evolução mútua ou coevolução desenvolvida especialmente por Richard Dawkins que considera a cooperação existente entre organismos de diferentes espécies. Segundo Dawkins (2002), partes do mesmo organismo também se co-adaptam através de ajustes mútuos que ocorrem dentro da própria espécie, ao mesmo tempo em que estes organismos coevoluem entre outras espécies.

4. O conceito de território, aqui, se inspira nos filósofos Felix Guatarri e Gilles Deleuze, pelo modo como o complexificam, ao considerar os movimentos de desterritorializacão e reterritorialização e por tomarem em consideração a dimensão das circunstâncias e entorno relacional. DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 2007.

5. A tábula rasa diz respeito a um entendimento de que o bebê recém nascido é como um papel em branco, a ser preenchido pelos pais e sociedade, pelas experiências após o nascimento; que ignora o potencial e a experiência anterior existente no ser humano ou em outras relações, e que considera apenas uma brancura passiva no já existente. Ver PINKER (2004).

6. “O Primeiro Encontro de Diretores das Companhias Oficiais Brasileiras de Dança aconteceu entre 18 e 19 de novembro, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, em Salvador. O Encontro – fechado ao público – tem por finalidade a implantação de uma rede de cooperação mútua entre as companhias de dança mantidas por instituições oficiais e a criação de um banco de dados com o perfil artístico, histórico e administrativo de cada grupo, para posterior publicação. Aposentadoria- Muitas questões são peculiares a todas as companhias, como os programas de manutenção, a dificuldade de lidar com a profissão – pelo próprio desgaste físico e a carreira encurtada – as condições burocráticas, a falta de recursos, poucos patrocinadores, a pressão das instituições e as limitações das contratações, por exemplo.” Conpanhias convidadas: Ballet Theatro Municipal do Rio de Janeiro; Cia de Dança Palácio das Artes, MG); Balé da Cidade de São Paulo; Cia de Danças de Diadema, SP; Ballet de Londrina, PR; Cia de São José dos Campos, SP; Balé da Cidade de Teresina, PI; Balé Teatro Guaíra, PR; Companhia de Dança do Amazonas; BTCA/Bahia Ballet, BA; BTCA/Cia Ilimitada, BA”: http://www.setur.ba.gov.br/noticias.asp?id=565, em 25/03/08.

7. O Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) foi criado pela Lei no. 9696/98, de 1º. De setembro de 1998. É uma entidade civil, sem fins lucrativos com sede e foro no Rio de Janeiro, destinada a orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício das atividades físicas dos professores da Educação Física. Dispõe também sobre a regulamentação da Profissão da Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos Regionais. www.confef.org.br (2/03/2005)

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, Jorge Vieira. Teoria do conhecimento. Fortaleza: Edição Gráfica e Editora, 2006.
BERTALANFFY, Ludwig von. General system theory. New York: George Braziller, 2006.
CHAUÍ, Marilena. Política em Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
______________ (Org.). Coleção Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Legislação. Obtido por download no seguinte endereço www.confef.org.br. Em 02/03/2005.
DAWKINS, Richard. Desvendando o arco-íris: ciência, ilusão e encantamento. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 2007.
FREIRE, Roberto de Barros. O público e o privado. http:://www.fflch.usp.br/df/geral3/roberto.html, em 19/09/2007.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2007.
KATZ, Helena. São paulo ganha a sua Companhia oficial. Caderno 2, OESP. De 29/01/08. Disponível em: www.helenakatz.pro.br. Acesso em: 20/02/08.
LAKOFF, George. Whose freedom? New York: fsg, 2006.
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Editora Sulina, 2002.
NAJMANOVICH, Denise. O sujeito encarnado. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
NAVARRO, Zander. O MST e a canonização da ação coletiva. In SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Produzir para viver. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
PINKER, Steve. Tábula rasa- a negação da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Produzir para viver. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
VELLOSO, Marila. O teatro guaíra e a dança em Curitiba: influência e contaminação através da mídia. São Paulo. (Dissertação de Mestrado). Programa de Comunicação e Semiótica. PUC-SP, 2005.

Sites

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http:://www.fflch.usp.br/df/geral3/roberto.html, acesso em 19/09/2007.
http://www.helenakatz.pro.br , acesso em 20/02/08.
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